ALGARAVIAS de Waly Salomão

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sábado, 24 de abril de 2010

Mineirinha

Uma noite dessas, indo de Petrópolis para o Rio de Janeiro, de ônibus, em um dia em que seu humor está para lá de péssimo, eis que encontramos figuras pelas quais tomamos como referência de sentido para toda a vida.

Era uma daquelas típicas e enfadonhas noites petropolitanas. Chuva fininha e densa. Daquelas que você diz que não precisa de guarda-chuva, mas acaba se molhando se não o usa. Como eu.

Bom, estou eu na fila, esperando o motorista vir receber as passagens e abrir o ônibus, quando noto a presença de três mulheres se aproximando.

Sempre quando fazemos algo que nos chateia ou aborrece, procuramos alguma coisa para nos entreter, além da já manjadíssima paisagem da viagem. Reduc, parque gráfico de O Globo, aeroporto, Favela da Maré e assim por diante. Se você já fez essa viagem, com certeza deve estar bocejando agora.

Mas voltando as nossas três personagens. Eis o meu entreterimento de viagem.

De logo se via que não eram petropolitanas, pois eram espontâneas, de riso fácil e comunicação corporal desenvolvida. Meu subconsciente parece que me dizia, na intensidade de um pisca-pisca de árvore de Natal: só podem ser de Minas.

Formavam três gerações de uma família: avó, mãe e filha. Demonstravam muito carinho e respeito uma pela outra. Logo hoje em dia em que estão cada vez mais raros de se ver esses espetáculos de ternura familiar explícita. Principalmente assim tão “expostos”.

Entrei no ônibus. Encontrei minha poltrona e me acomodei. Elas ficaram para trás, pois foram colocar suas bolsas no bagageiro. Consegui ver a mais nova pela janela. Nos entreolhamos. Sorriu marotamente para mim, e acredito que retribuí, pois fiquei meio extasiado. Gostei disso, porém não me importei o bastante para ficar reparando no que ela estava fazendo.

Finalmente entraram no ônibus, por ordem de idade. Primeiro a avó, depois a mãe e por último, o rostinho mais brejeiro que eu já pude ter a oportunidade de ver e apreciar. Deixei a desatenção de lado e fui dedicar toda a minha atenção a ela. Se eu tinha que me entreter, que fosse por algo realmente agradável.

Foram se acomodar. Avó e mãe foram sentaram-se mais para trás. Do meu lado já não havia mais lugar, mas atrás de mim, sim. Foi assim que descobri seu nome.

- Natalí, você quer se sentar aqui? Tem lugar vago do nosso lado.

- Não vó, obrigada. Mas achei um lugar aqui na frente.

- Já ligou para o seu pai hoje, Natalí?

- Já sim mãe.

Natalí... Soou tão bem quando acordar com barulho de passarinhos. E era exatamente isso que ela me passava. Uma paz campestre, saudável e feliz. Ah,... o sonoro e lindo sotaque de Minas.

Casar-me com alguém tão meiguinha... Talvez ela nem assim fosse, mas e daí? O que importa mesmo, é que tive entrererimento da melhor qualidade em minha pachorrenta viagem.

Imaginei-me casado, e morando em Minas em alguma cidade com nome de santo. Com três filhos felizes, hiperativos e desgrenhados. Com as camisas sujas daquela gosminha de jaboticaba e barro do quintal. Alguns com a nariz escorrendo, outros com apenas os pés descalços.

Estava sentado em uma poltrona, com os pesem cima de uma mesinha de centro. Mesa esta feita com aquela madeira especial e duradoura, tão forte quanto o ferro. E entalhada pelo talento mineiro.

Pude perceber ainda que tinha uma pequena faca na mão com uma lasca de queijo branco na ponta. Que eu comia com uma pressa de baiano.

E da poltrona eu fitava Natalí, e tudo em volta, com o orgulho de um rei satisfeito de ver a prosperidade morando em seu reino.

E feliz por ter encontrado o amor.

Nunca queijo monas me pareceu tão gostoso...

Fez-me até esquecer que a chuva, havia molhado toda a minha roupa.

(B.A.S. – 14/04/2002)

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